O Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa sugere que seja criada uma matriz de competências para a composição do Conselho de Administração, levando em consideração aspectos como o setor da organização, o estágio de maturidade da governança, a estratégia adotada e as tendências de mercado. Esse processo visa garantir que o Conselho cumpra sua missão com eficácia e que os sócios se apoiem em decisões mais informadas e qualificadas.
Mas, afinal, o que é uma matriz de competências? E quais características são mais valorizadas na seleção dos membros do Conselho?
Essas questões foram exploradas no estudo de Neves, Carvalhinha, Muritiba e Muritiba (2017), cujos resultados serviram como base para a elaboração deste artigo. A pesquisa teve como objetivo entender as competências necessárias para os conselheiros de Administração em empresas de capital fechado, por meio de entrevistas com 12 conselheiros experientes, todos com mais de cinco anos de atuação no cargo e ampla trajetória como executivos de alta gestão.
Os achados desse estudo são valiosos para a construção de uma governança sólida. Continue lendo e aprofunde seu conhecimento conosco!
Conceito de competência
A competência vai além do simples conhecimento adquirido por uma pessoa — ela abrange também suas habilidades, ou seja, o conhecimento colocado em prática, e as atitudes que resultam da combinação de conhecimento e habilidade.
De forma geral, é utilizado o conceito de competência essencial para se referir aos principais recursos de uma organização que a tornam única. No entanto, aqui, focaremos na definição de competência a nível individual, ou seja, nas qualidades que um indivíduo possui para gerar valor para a organização.
Mas isso não significa que as competências essenciais da organização e as competências dos indivíduos estejam dissociadas. Pelo contrário: as competências essenciais da empresa se traduzem em competências organizacionais, como as áreas de negócios. A partir daí é que se torna possível definir as competências esperadas dos colaboradores.
E o que é uma matriz de competências, afinal?
A matriz de competências é uma ferramenta amplamente utilizada na gestão de recursos humanos, porque funciona como um sistema que analisa quais profissionais têm as habilidades e os conhecimentos mais adequados para determinadas funções.
Além da seleção mais assertiva de candidatos, a matriz auxilia no desenvolvimento dos talentos e no planejamento de sucessão dentro da organização.
Que competências são necessárias aos conselheiros?
O Código de Melhores Práticas do IBGC estabelece uma série de características essenciais para a qualificação mínima de um conselheiro. Segundo o órgão, os conselheiros devem possuir, no mínimo:
- alinhamento com os valores da organização e seus códigos de conduta;
- capacidade de defender suas ideias com base em julgamento próprio;
- motivação e disponibilidade de tempo;
- visão estratégica;
- conhecimento das melhores práticas de governança corporativa;
- capacidade de trabalhar em equipe;
- habilidade para ler e compreender relatórios financeiros;
- noções de legislação societária;
- percepção do perfil de risco da organização.
Note que, além das habilidades técnicas, o código também enfatiza competências comportamentais.
O estudo de Neves et al. (2017) menciona ainda um levantamento de autoavaliações dos próprios conselheiros, que indicaram a necessidade de:
- entender a estratégia da empresa;
- conhecer procedimentos legais;
- possuir habilidades de liderança e trabalho em equipe;
- demonstrar alto grau de comprometimento do conselheiro.
Competências que influenciam positiva e negativamente no Conselho
Assim como existem critérios que caracterizam um bom conselheiro, há também características de natureza pessoal que atrapalham essa relação positiva.
Reproduziremos aqui as proposições do estudo de Neves et al. (2017) que derivaram dos achados da pesquisa.
Competências positivas
Com relação às competências dos conselheiros de Administração, propõe-se que as características a seguir influem para uma boa performance do conselheiro (quanto mais expressivas essas competências, melhor tende a ser a atuação):
- Atuação em grupo de maneira cooperativa e colaborativa;
- Capacidade de adaptar-se para a tomada de decisão em colegiado;
- Capacidade de mediar e resolver conflitos de maneira proativa e construtiva;
- Conhecimentos práticos sobre conselho e governança corporativa;
- Comprometimento e determinação com o papel de conselheiro;
- Visão generalista, sistêmica e orientada ao negócio;
- Capacidade de apresentar e propor solu ções criativas;
- Habilidade de relacionamento interpessoal;
- Conduta ética;
- Atitude corajosa e independente para questionar e argumentar;
- Educação formal compatível;
- Respeito à cultura da empresa e à sua cadeia de valor;
- Conhecimento profundo de governança corporativa;
- Entendimento da governança como um processo evolutivo;
- Reconhecimento e consideração claros dos motivadores da companhia para implantar governança ao tomar decisões;
- Habilidade de comunicação do conselheiro;
- Capacidade de traduzir a experiência do passado em futuro;
- Consideração das expectativas dos acionistas ao tomar decisões;
- Julgamentos e recomendações considerando sempre o melhor interesse da companhia; 20. Capacidade de criticar, desenvolver e adaptar o sistema de governança corporativa da empresa;
- Preparação prévia para as reuniões.
Competências negativas
Com relação às características que são prejudiciais à performance do conselheiro, identificaram-se:
- Questões de apego ao poder;
- Ego, arrogância ou sentimento de superioridade;
- Falta de educação continuada;
- Baixa capacidade de confrontar e questionar;
- Dependência emocional em relação status do cargo.
Por que construir uma matriz de competências para o Conselho de Administração?
Embora a experiência e a competência técnica sejam requisitos fundamentais para a escolha de um conselheiro, as competências comportamentais têm se mostrado um diferencial significativo em termos de performance. No estudo realizado, ficou evidente que as competências comportamentais foram as mais citadas pelos entrevistados, destacando a importância de qualidades como cooperação, comunicação e ética no processo decisório.
Uma matriz de competências bem definida ajuda a assegurar que esses requisitos sejam atendidos e se mantenham alinhados aos objetivos da organização.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a matriz de competências já é amplamente adotada por cerca de 75% das empresas do S&P 500, conforme revela o relatório da PwC (“Board Composition: Building Your Dream Team”, 2024). Esse padrão demonstra como as empresas americanas utilizam a matriz não apenas como uma ferramenta de planejamento, mas como um símbolo de transparência, que a mapear habilidades, identificar lacunas e planejar a renovação dos conselhos de maneira proativa. No Brasil, no entanto, a prática ainda é incipiente. A maioria das empresas adota a matriz apenas quando solicitada por investidores ou auditorias, tratando-a como uma formalidade, em vez de como uma ferramenta estratégica.
O exemplo de um mercado consolidado e mais maduro em termos de governança demonstra o valor de uma matriz de competências bem definida para a constituição de conselhos mais preparados, com uma visão clara sobre as competências necessárias para atingir os objetivos da organização e aprimorar a governança corporativa.
Esse entendimento proporciona um avanço significativo para o estudo da governança e permite uma arquitetura mais robusta e eficaz para os conselhos de Administração.