O voto plural tem se tornado um tema relevante no universo das sociedades anônimas, principalmente após sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 14.195/2021. Trata-se de um mecanismo que permite a determinadas ações conferirem a seus detentores um número maior de votos por ação do que as ordinárias tradicionais, impactando diretamente a governança corporativa e a estrutura de poder dentro das companhias.
O que é voto plural na sociedade anônima
O voto plural é um instrumento que possibilita que determinadas classes de ações tenham um peso maior nas deliberações societárias. Ou seja, enquanto, tradicionalmente, cada ação ordinária concede um voto ao acionista, no caso do voto plural, essa proporção pode ser elevada.
Dessa forma, acionistas controladores podem manter o comando da companhia mesmo com uma participação acionária reduzida.
A principal justificativa para essa prática é garantir estabilidade na administração da empresa, protegendo-a de mudanças bruscas no controle acionário e permitindo que empreendedores e fundadores continuem à frente do negócio mesmo após a abertura de capital.
A implementação do voto plural em uma sociedade anônima exige a observância de algumas condições:
- Previsão estatutária: a empresa deve incluir essa possibilidade em seu estatuto social, especificando a quantidade de votos atribuída a cada ação com voto plural.
- Prazo máximo: o voto plural pode ser concedido por um período de até sete anos, prorrogável por decisão da assembleia geral.
- Aplicação restrita: o voto plural pode ser adotado apenas por novas companhias abertas ou sociedades anônimas fechadas que decidam abrir seu capital.
- Proteção a minoritários: o mecanismo não pode ser aplicado retroativamente, ou seja, não pode afetar acionistas que já detinham ações ordinárias antes da sua implementação.
- Restrições em certas decisões: há limites ao uso do voto plural em determinadas matérias, como fusões, incorporações e alterações estatutárias, garantindo equilíbrio na governança.
Voto plural no Brasil
O voto plural foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 14.195/2021, alterando a Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/1976). Antes dessa mudança, a regra no Brasil seguia o princípio de “uma ação, um voto”, vedando a possibilidade de um acionista deter poder desproporcional à sua participação acionária.
Com a alteração, foi permitida a criação de ações ordinárias com voto plural, desde que observadas certas limitações. Empresas que pretendam adotar essa estrutura devem especificá-la em seu estatuto social e respeitar o limite máximo de dez votos por ação ordinária.
A introdução do voto plural no Brasil representa uma mudança significativa no mercado de capitais. Companhias abertas que buscam maior controle sobre suas estratégias de longo prazo podem se beneficiar, atraindo investidores dispostos a aceitar essa estrutura. No entanto, a adoção do modelo exige transparência e boas práticas de governança para evitar distorções e garantir a confiança do mercado.
Voto plural no cenário internacional
O voto plural não é uma novidade no cenário global. Mercados como os Estados Unidos permitem essa prática há anos, sendo amplamente utilizada por grandes empresas de tecnologia, como Google (Alphabet), Facebook (Meta) e Alibaba. Nessas companhias, os fundadores e executivos mantêm controle decisório, mesmo após a entrada de novos investidores.
Por outro lado, países europeus, como o Reino Unido, tradicionalmente restringem esse modelo, priorizando estruturas acionárias mais equilibradas. A tendência global tem sido permitir o voto plural em mercados emergentes e tecnológicos, mas sempre com restrições e proteções aos acionistas minoritários.
Voto múltiplo e voto plural: diferenças
Embora possam parecer semelhantes, o voto múltiplo e o voto plural têm funções e impactos distintos dentro das assembleias de acionistas e da composição do Conselho de Administração das empresas.
O voto plural é um mecanismo que concede a determinadas ações um peso maior nas decisões da companhia, permitindo que um acionista controlador mantenha influência mesmo com uma participação acionária reduzida. Esse instrumento é utilizado principalmente para fortalecer o poder de decisão de grupos estratégicos dentro da empresa, assegurando maior estabilidade no comando.
Já o voto múltiplo tem um objetivo oposto: proteger os interesses dos acionistas minoritários na eleição do Conselho de Administração. Esse sistema permite que os acionistas concentrem todos os seus votos em um único candidato ou os distribuam entre vários nomes, aumentando as chances de garantir representação no conselho.
Caso essa modalidade não existisse, os minoritários dificilmente conseguiriam eleger membros, já que o acionista controlador teria domínio absoluto sobre as cadeiras.
Na prática, o número de votos que cada ação representa é multiplicado pelo número total de cadeiras disponíveis no conselho. Para utilizar esse direito, o acionista – ou um grupo que detenha pelo menos 10% das ações com direito a voto – deve solicitar a aplicação do voto múltiplo com, no mínimo, 48 horas de antecedência à Assembleia Geral.
Além disso, se um acionista ou grupo detiver ao menos 15% das ações com direito a voto, a legislação garante a eleição de pelo menos um conselheiro, desde que cumpridas determinadas condições.
Enquanto o voto plural fortalece o controle dos acionistas majoritários, o voto múltiplo atua como um contrapeso, permitindo maior diversidade na gestão e ampliando a representatividade dentro do Conselho de Administração.
Controvérsias do voto plural
A adoção do voto plural no Brasil gerou intensos debates entre especialistas e participantes do mercado financeiro. Enquanto defensores apontam vantagens estratégicas, críticos alertam para possíveis distorções na governança corporativa.
O voto plural permite que determinadas ações ordinárias tenham um peso maior nas decisões da companhia, garantindo a acionistas fundadores ou controladores o poder de decisão sem a necessidade de deter a maioria do capital social.
Para os que defendem essa prática, o modelo facilita a manutenção do controle por parte dos atuais gestores, reduz a dependência de acordos de acionistas e torna o mercado de capitais mais atrativo para empresas nacionais e estrangeiras, incentivando novas listagens na bolsa de valores.
No entanto, a proposta não é unânime. Críticos argumentam que o voto plural pode criar um descompasso entre participação acionária e poder de decisão, permitindo que determinados investidores controlem os rumos da companhia sem realizar aportes financeiros proporcionais.
Há ainda quem defenda que qualquer regra sobre voto plural deveria ser fruto de um acordo entre acionistas e não imposta por legislação, sob o risco de comprometer o princípio da autonomia da vontade das partes. Os opositores também lembram que a legislação já oferece outros instrumentos para garantir o controle acionário, como os acordos de acionistas, tornando o voto plural um mecanismo questionável.
Diante dessas divergências, a discussão sobre o voto plural continua acirrada, colocando em debate o equilíbrio entre a proteção de investidores e a necessidade de tornar o mercado de capitais mais dinâmico e competitivo.
Vantagens do voto plural para a governança corporativa
O voto plural traz diversos benefícios para as empresas e seus acionistas, entre eles:
- Manutenção do controle por fundadores: empresas podem captar recursos no mercado sem que seus fundadores percam o controle acionário.
- Estabilidade na governança: a longo prazo, a estabilidade decisória pode ajudar no desenvolvimento sustentável da empresa.
- Atração de investidores: startups e companhias inovadoras podem se beneficiar ao garantir que suas lideranças continuem no comando mesmo após sucessivas rodadas de investimento.
- Flexibilidade estratégica: o mecanismo permite um planejamento estratégico de longo prazo, sem interferência imediatista de investidores com interesses puramente financeiros.
Desafios e críticas ao voto plural
Apesar das vantagens, o voto plural também enfrenta críticas e desafios, especialmente no que diz respeito à proteção dos acionistas minoritários e à governança corporativa. Algumas preocupações incluem:
- Risco de abuso de poder: a possibilidade de um grupo minoritário controlar a empresa pode levar a decisões desalinhadas com os interesses da maioria dos acionistas.
- Menor adoção internacional: muitos mercados exigem estruturas de governança mais equilibradas, dificultando a aceitação de empresas com voto plural em algumas bolsas de valores.
- Prejuízo à transparência e à responsabilidade: a concentração excessiva de poder pode dificultar a fiscalização e reduzir a prestação de contas dos administradores.
O voto plural é um mecanismo que redefine a governança das sociedades anônimas no Brasil, conferindo maior poder a determinados acionistas e permitindo maior estabilidade no controle das empresas. Seu uso deve ser equilibrado para garantir que a proteção aos investidores minoritários seja mantida e que a governança corporativa se mantenha saudável.
Embora sua adoção traga vantagens, como estabilidade e atração de investidores, os desafios relacionados à transparência e ao risco de concentração de poder devem ser monitorados. A experiência internacional mostra que a eficácia do voto plural depende de sua regulamentação e do compromisso das empresas com boas práticas de governança.